The Bill Parte I

The Bill Parte I

21/08/2018 10:00

“Me chamo Bill. Não posso dizer que me arrependo do que fiz, fiz o que era necessário. As ruas estão fedendo e os malditos barcos trazem cada vez mais ratos contaminados. Os pobres coitados caem doente e nem sabem o porquê. Nunca fui um dos melhores alunos da minha sala e, honestamente, não tinha interesse em ser o melhor, queria apenas satisfazer o ímpeto de meu pai em ter um filho médico, tal como ele e o seu pai.”

 

Londres 1347.

 

Londres é uma cidade escura. As poucas luzes que se vê são dos lampiões acessos próximos ao porto onde os marinheiros arrumam navios para partir ou descarregam ao chegar. O cheiro é terrível, a doença parece estar no ar, o clima é sempre frio e úmido. É espesso o ar que entra pelas narinas, chega a queimar. Andando pela madrugada você tropeça em pessoas defecando ou bêbadas e dormindo ao relento. Um bom dia é quando a garoa é fina, porque nos dias que chove forte, toda essa sujeira se levanta e acaba passando pelos pés dos trabalhadores, que passam horas com o pé molhado, apenas degustando todos os tipos de doenças trazidas pela água.

 

Já faz quatro anos que a peste assombra a Europa. Honestamente, não me incomoda. Nosso País está sobrecarregado e a guerra parece já não dar mais conta. Mas isso vai contra aos meus ensinamentos, devo lutar por toda e qualquer vida que eu puder salvar. Inscrevi-me em dois grandes hospitais, e para minha alegria e a desgraça do meu pai, não fui aceito em nenhum dos dois. Por mim viveria gastando a fortuna que o velho acumulou, mas devo trabalhar para manter imaculada a imagem da família. Ser recusado por dois hospitais com certeza me tiraria da linha de sucessão. Soube que a peste está dominando o País e que está matando todo tipo de gente, desde doutores até camponeses. Absurdo! Pragas não enxergam diplomas. Enquanto caminhava esta manhã pelas calçadas, chegou uma carroça de Limpton e o maldito cavalariço quase me atropelou! 

 

A julgar pelo seu desespero, suspeitei que devesse estar com problemas de saúde dentro de sua carruagem. Me ofereci prontamente para ajudá-lo, e quando abri a porta da carruagem, esperando por um velho entalado por tanto comer ou por uma velha que teve apenas uma baixa de temperatura, me deparei com o ser mais arrepiante que já tinha visto em minha vida acadêmica. Meu primeiro intuito foi de me afastar e levar a mão ao nariz. Aquele homem de preto fedia, e as manchas em seu rosto - Meu Deus! Invoquei Deus, mesmo não acreditando no mesmo! Só percebi que se tratava de um homem religioso pelas suas vestes. Confesso que estava congelado, e honestamente não queria ajudá-lo. Não sabia que tipo de doença ele portava. Na verdade sabia que a peste já havia dominado o corpo daquele homem. A medicina avançava, mas nada para trazer a cura. A cidade inteira me olhava, tinha que cumprir meu votos de médico. Então segurei a mão do pobre Padre firme.

 

“Fique tranquilo, meu senhor. Estou com você! Vou conduzir o senhor para um hospital onde será bem cuidado!”

 

“Você... você é médico?”

“Sou, meu senhor. Apenas fique calmo e beba um pouco de água”

“Deus te colocou em meu caminho! Nosso Senhor sempre tem uma resposta para nos ajudar! Eu sou padre em Limpton e cuidava dos enfermos da cidade. Nenhum médico quer ir até a cidade! Estamos esquecidos pelo rei e por todos! Muito morreram e muitos morrerão! Não me importo com meu corpo, apenas com minha alma e, com a alma daqueles que não pude ajudar antes de atender o chamado. Você, meu caro doutor, está aqui! Você é a resposta, você ajudará Limpton!

 

“O senhor está atormentando pela sua enfermidade, deve descansar...

Antes mesmo de Bill terminar de falar o padre segurou firme sua mão com virilidade incompatível para alguém da sua idade e no seu estado de saúde.

 

“Você tem que ajudá-los! Eu tenho dinheiro para ajudar nos medicamentos! Eu guardei cada chilin que recebia de doação da coroa e de famílias ricas... o suficiente para uma vida...

“O senhor tem uma fortuna e onde a guarda? Senhor? Fique acordado e me fale onde está o dinheiro?!”

 

O cavalariço, agora já estava depondo seu chapéu, fazendo o sinal da cruz e eu estava ali, atordoado por tantas informações. Onde será que esse velho havia deixado tal fortuna? Será que seria o suficiente para que eu não trabalhasse mais?

 

Devo partir para Limpton, buscar o dinheiro e retornar sem ser contaminado. A cidade já está perdida! Ninguém mais precisará desse dinheiro. E, a mais quem tem responsabilidade em ajudar é a coroa! Seria uma pena se esse dinheiro fosse perdido por uma peste.   

Por Murilo Hubert Schenfeld